Os desafios e as opções da UE numa região do Golfo em mutação

30.9.2021 — blogue HR/VP — Iniciei hoje uma viagem de quatro dias à região do Golfo para visitar o Catar, os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita. É uma região dinâmica que atravessa atualmente uma transformação significativa, o que nos dá a oportunidade de desenvolver novas formas de cooperação.

É uma região dinâmica que atravessa atualmente uma transformação significativa, o que nos dá a oportunidade de desenvolver novas formas de cooperação.

 

Vários acontecimentos afetaram ultimamente a dinâmica da região: os Acordos de Abraão que marcaram a reconciliação entre Israel e alguns Estados árabes, o fim do conflito entre alguns Estados do Golfo que permitiram que o Catar saísse do isolamento, a decisão da administração Biden de voltar a fazer parte do acordo nuclear com o Irão e, por último, a situação no Afeganistão.

 

«Vários acontecimentos afetaram ultimamente a dinâmica da região.»

 

Por outro lado, os antagonismos com o Irão passaram a ocupar o lugar da questão palestiniana enquanto principal fator de convergência na região. De certa forma, a atual aproximação entre Israel e o Golfo constitui uma rutura com a história. Com efeito, o Irão foi um dos primeiros países a reconhecer Israel, em 1948, tendo sido o seu principal parceiro na região durante três décadas até 1979, altura em que o dirigente iraniano Khomeini confiscou a embaixada de Israel em Teerão para a entregar à OLP.  A superação dos atuais conflitos também deve ser vista à luz desta grande mudança regional, uma vez que as divisões têm repercussões muito graves. 

 

«As divisões têm repercussões muito graves.»

 

Paralelamente, a China tem vindo a reforçar o seu papel na região. É evidente que a China não dará aos Estados do Golfo quaisquer garantias de segurança, mas está pronta a intervir se os outros deixam espaço livre. A Europa está a lançar o Pacto Ecológico, os EUA e outras economias desenvolvidas estão menos dependentes das importações de petróleo do Golfo, e a importância do mercado chinês está a aumentar.

A Rússia está igualmente ciente das oportunidades que esta nova situação oferece. Também reajustou as suas alianças tradicionais, melhorou as suas relações com Israel e reconstruiu a sua antiga aliança com o Egito. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, deslocou-se à região nesta primavera. A Rússia, por outro lado, continua a ser um concorrente na área dos combustíveis fósseis, um aliado da Síria e um aliado próximo do Irão.

Além disso, os países do Golfo estão atualmente num processo de reformas internas importantes. Cada um deles tem uma visão de economias diversificadas e mais ecológicas, menos dependentes dos hidrocarbonetos, e de governos e sociedades mais digitalizados.

É evidente que estão em causa contratos e oportunidades de investimento, tanto nos países do Golfo para as empresas europeias como na Europa para os fundos soberanos do Golfo, que detêm já uma parte impressionante da economia da UE.

 

«Um dos objetivos da minha visita é analisar de que modo podemos construir uma parceria mais forte com os Estados do Golfo.»

 

Durante o meu mandato, comecei a debater estas transformações da região do Golfo e do Médio Oriente em geral com os meus interlocutores. Estas transformações são importantes para a Europa, também porque afetam o posicionamento e a participação dos Estados do Golfo em conflitos mais próximos de nós, como na Líbia e na Síria. Para podermos trabalhar em conjunto temos de entender o ponto de vista destes países.

Tal leva-me ao segundo objetivo da minha visita, que consiste em analisar de que modo podemos construir uma parceria mais forte com os Estados do Golfo. Eis alguns temas e ideias que procurarei explorar durante a minha viagem:

  • A UE será um mercado importante para as energias renováveis.Embora os Estados do Golfo continuem a depender das exportações de petróleo e de gás, compreenderam que terão igualmente de acabar por transitar para a produção de energias renováveis. Têm sol, vento e água em abundância, bem como os fundos necessários. Essa energia renovável precisará de um mercado, sendo desde já evidente que a UE necessitará de importar grandes quantidades de eletricidade e, em devido tempo, também de hidrogénio verde (especialmente se tivermos em conta a atual subida do preço da eletricidade).
  • A segurança dos recursos hídricos é um problema real no Golfo e nós podemos dar a nossa ajuda.As alterações climáticas no Golfo são uma realidade, com temperaturas frequentemente superiores a 50 graus, acompanhadas do esgotamento dos recursos de água doce. Há todas as razões para incentivar a cooperação no domínio da investigação e de medidas práticas de atenuação e de adaptação para resolver problemas decorrentes desta situação. Além disso, a cooperação no domínio da proteção civil será útil para ambas as partes, uma vez que é provável que o número de catástrofes venha a aumentar.
  • A UE enquanto prestador de segurança civil.É menos provável que a UE se venha a envolver em questões «estratégicas» tradicionais no Golfo. No entanto, há uma série de domínios de «segurança civil» que vale a pena explorar, o que poderá promover o desanuviamento e o reforço da confiança em toda a região. Um desses domínios é a segurança marítima, ou seja, medidas destinadas a facilitar a passagem em condições de segurança de navios comerciais. A UE poderia oferecer mais apoio técnico para organizar e gerir as rotas de navegação muito frequentadas no estreito de Ormuz. Do mesmo modo, a UE poderia prestar ajuda no domínio da segurança nuclear, explorando as competências consideráveis que existem no âmbito da Euratom. A título de exemplo, temos uma plataforma QBRN (química, biológica, radiológica) nos Emirados Árabes Unidos, um centro de excelência que abrange toda a região.
  • Uma via para a responsabilidade globalA UE é líder mundial na ajuda humanitária e na ajuda ao desenvolvimento a nível internacional, bem como na promoção do respeito pelos direitos humanos. Apoiamos firmemente as instituições internacionais como as Nações Unidas e as soluções multilaterais. Os Estados do Golfo estão cada vez mais interessados em assumir responsabilidades a nível mundial e estão dispostos a colaborar connosco. A UE mantém agora diálogos sobre direitos humanos com todos os Estados do Golfo, e esta semana lançámos um diálogo desta natureza com a Arábia Saudita. Trata-se de um domínio em que ambas as partes têm muito a ganhar com uma cooperação mais estreita.
  • A UE como modelo de paz e de integração regional.Embora a nós, europeus, nos possa por vezes parecer algo trivial, a paz e a estabilidade não são uma realidade a que os Estados do Golfo estejam necessariamente habituados. O conflito no Iémen tem vindo a assolar o país há sete anos, causando uma terrível crise humanitária. As instalações petrolíferas sauditas têm sido atacadas repetidamente por mísseis nos últimos anos, e as ações e manipulações consideradas como provenientes do Irão são uma fonte de constante preocupação em vários Estados do Golfo. A ideia de que este confronto pode vir a ser ultrapassado um dia pode parecer distante atualmente, mas muitos confrontos que pareciam inultrapassáveis acabaram por ser resolvidos. A experiência da CSCE/OSCE pode ser algo a ter em conta para a região do Golfo. A história da integração europeia é, em si, um exemplo interessante do modo como a cooperação económica pode criar confiança e conduzir gradualmente a uma integração política mais estreita.

Estes são alguns dos potenciais domínios de cooperação e de empenhamento da UE, que constituem o pano de fundo da minha deslocação à região do Golfo. Nos próximos dias, debaterei com os meus interlocutores a forma de construir uma agenda comum, em especial tendo em conta a crise no Afeganistão, e a forma de dialogar com os novos dirigentes, tema que procurarei abordar numa próxima publicação no meu blogue.

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