União Europeia junta-se a ONGs brasileiras e paraguaia em prol do Cerrado

13.05.2021
Brussels

Projeto de quatro anos visa desenvolver soluções inteligentes para o clima que possam ser aplicadas também em outras paisagens de savana ao redor do mundo.

 

 

Um projeto de dimensões transnacionais: esse é o CERES, iniciais de Cerrado Resiliente e também nome da deusa grega da fertilidade, que está unindo a União Europeia e organizações não governamentais do Brasil e Paraguai, como ISPN, WWF-Brasil e WWF-Paraguai, com coordenação do WWF-Holanda. O nome não poderia ser mais apropriado para uma iniciativa que visa fortalecer a conservação da paisagem de forma inclusiva, valorizando um modelo econômico mais sustentável integrando as populações locais, de um bioma que ocupa mais de 2 milhões de quilômetros quadrados no Brasil, Paraguai e Bolívia. Para tanto, o CERES concentrará recursos humanos e financeiros em uma única direção: encontrar, testar e alavancar soluções de convívio entre diferentes modelos e escalas dentro da paisagem na qual se inserem e que possam ser replicadas em outras savanas ao redor do mundo.

 “A perspectiva de integrar comunidades e suas atividades econômicas à paisagem passa pelas três áreas eleitas como prioridade pela União Europeia: alimentação, biodiversidade e clima.  E quando olhamos para o planeta, o Cerrado sul-americano tem um peso significativo em todas elas” .  “Trata-se de um bioma que exige muitas e diferentes soluções para que seu desenvolvimento seja inclusivo, de baixo carbono e sustentável e para que haja maior conscientização nacional e internacional sobre sua importância”, ressalta.  

 O foco em modelos produtivos de baixo carbono justifica-se: o Cerrado detém vastos estoques de carbono, principalmente no subsolo: aproximadamente 13,7 bilhões de toneladas. O processo de conversão do bioma impediria, por exemplo, o cumprimento dos compromissos internacionais do Brasil nas Convenções do Clima e de Biodiversidade.

 O ponto de partida do CERES é um olhar abrangente, que vai além das grandes plantações de soja, milho e algodão e inclui modos de produção e populações que hoje têm pouca visibilidade, apoio técnico e proteção de políticas públicas. Além disso, ele se estende para além das fronteiras brasileiras: “As pessoas geralmente não relacionam o Cerrado com o Paraguai, no entanto, embora numa proporção menor, o bioma está presente. Com este projeto pretendemos tornar visível esta ecorregião e a sua importância, bem como contribuir juntamente com o Brasil para um modelo de desenvolvimento inclusivo” diz Patricia Roche, ponto focal técnico do WWF-Paraguai.

Segundo o Censo Agropecuário Brasileiro de 2006, 69% de todas as propriedades rurais do bioma pertencem a pequenos agricultores.  Além disso, o Cerrado abriga inúmeros grupos indígenas e milhares de comunidades locais que dependem de sua biodiversidade para sua subsistência. Nas áreas de transição do norte do Paraguai, o Cerrado é território ancestral de populações Ayoreo em isolamento voluntário. De acordo com levantamento recente realizado por ISPN em parceria com IPAM e Rede Cerrado, existem 3,5 mais comunidades tradicionais no Cerrado brasileiro do que indicam os dados oficiais, que contam apenas 83 comunidades indígenas no bioma. Todos esses grupos são fundamentais para a segurança alimentar, respondendo ​​pela produção dos principais produtos alimentícios da dieta básica, já que os grandes produtores estão focados em uma produção menos diversa.

Esse lado não tão conhecido do Cerrado produz uma grande variedade de produtos, incluindo aqueles relacionados com a sociobiodiversidade, incluindo frutas, castanhas, fibras, mel, flores e artesanato.  “Apoiar essas famílias permite a manutenção de um mosaico de paisagens, incluindo a conservação da vegetação nativa, além de melhorar a segurança alimentar e aumentar a geração de renda com base na produção sustentável, e reduzindo a migração para áreas urbanas”, comenta Isabel Figueiredo, coordenadora do Programa Cerrado e Caatinga no ISPN.

 ESTRUTURA 

Com duração prevista de quatro anos, o projeto foi estruturado em três eixos complementares e que se fortalecem mutuamente, promovendo: 1) agricultura sustentável e sistemas alimentares ide baixo carbono; 2) conservação por meio do uso sustentável da sociobiodiversidade e do fortalecimento das áreas protegidas; 3) fortalecimento de políticas públicas e privadas e práticas de segurança hídrica e alimentar, manejo sustentável da paisagem e redução da conversão de ecossistemas.  “Na prática, o CERES será um grande laboratório socioambiental, identificando e testando soluções com potencial de serem disseminadas para outras localidades além daquelas onde incidiremos diretamente”, explica Carolina Siqueira, do WWF-Brasil. “Ao fim do projeto esperamos deixar um legado permanente de desenvolvimento sustentável e inclusivo para o Cerrado”, conclui. 

A implementação do projeto a está baseada em uma abordagem integrada da paisagem com plataformas multi-stakeholders, instrumentos de participação social e o aprimoramento de mecanismos técnicos e financeiros de recuperação ambiental. Essas redes disseminarão boas práticas agrícolas, dando mais robustez a cadeias de valor da sociobiodiversidade, com foco e no fortalecimento de políticas e sistemas de gestão de recursos hídricos e fundiários.

O CERES também visa apoiar a redução do desmatamento no Cerrado, o que significa que também haverá interlocução com produtores de maior escala para soluções mais sustentáveis para a ampliação de área produtiva através da reabilitação de áreas degradadas, para reduzir a pressão por mais conversão de vegetação nativa. 

O TAMANHO DO DESAFIO  

O Cerrado se depara com uma contradição: os próprios recursos ambientais que fundamentam a produtividade agrícola não são valorizados, criando um cenário em que é mais vantajoso no curto prazo converter a terra para uso econômico do que protegê-la. A pressão pela produção de commodities fez com que o bioma se tornasse uma das maiores e mais ativas frentes de desmatamento do mundo. Na última década, o Cerrado sofreu com taxas de desmatamento mais elevadas do que a Amazônia. No acumulado dos últimos 50 anos o Cerrado perdeu mais da metade de sua vegetação original, com sua biodiversidade ameaçada pela perda e fragmentação de habitat.

 Embora a expansão da agricultura no Cerrado tenha tido um impacto positivo na economia brasileira nas últimas décadas, os efeitos negativos sobre o meio ambiente e as comunidades locais já são sentidos há muito tempo também. A mudança no uso da terra com conversão para monocultura ou pasto causou fragmentação da paisagem, degradação ambiental e deslocamento e isolamento das comunidades rurais.

 As práticas agrícolas de monocultivos diminuem a capacidade de infiltração do solo, causando erosão e aumentando o escoamento das águas pluviais, levando sedimentos e poluentes aos cursos d'água. O assoreamento dos cursos de água agrava a escassez de água durante a estação seca e contribui para inundações durante a estação chuvosa. Várias comunidades locais viram seus cursos d'água secarem ou serem contaminados.

 A produção em monocultura também leva à perda de variedades de sementes de culturas tradicionais e à erosão genética. Alterações no ciclo hidrológico já foram atribuídas a uma sequência de anos com extensos incêndios florestais e o desmatamento tem exacerbado a estação seca. 

 Muitos territórios tradicionais estão rodeados por monoculturas, com quem concorrem no acesso aos recursos naturais dos quais tradicionalmente dependem. Como resultado, além de outros processos como a contaminação do solo e da água, a especulação fundiária e a falta de infraestrutura e de acesso à saúde e educação, a emigração e a venda de terras para fazendeiros maiores se tornou mais comum.

 PORQUE O CERRADO

 Com mais de 2 milhões de km2, o Cerrado cobre a maior parte do Brasil central e pequenas áreas no Paraguai e na Bolívia. A savana mais biodiversa do mundo abriga 5% da biodiversidade do planeta, com uma alta taxa de endemismo, de cerca de 40%, e fornece conectividade entre os principais biomas da América do Sul, incluindo a floresta amazônica, a Caatinga, o Pantanal e a Mata Atlântica.

A bacia do rio La Plata, que abrange partes do Brasil, Paraguai, Bolívia, Argentina e Uruguai, tem 73% de suas águas oriundas do Cerrado. No caso do Brasil, 70% do território recebe águas do Cerrado. O maior aquífero do mundo, o Guarani, tem suas principais nascentes no Cerrado. O Cerrado nordestino é um elo fundamental no transporte da umidade atmosférica do Atlântico para a Amazônia, de onde segue para regiões mais ao sul no Brasil e para a Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. Essa umidade é essencial para consumo humano, agricultura, indústria e energia hidrelétrica. Isso torna o Cerrado vital para a conservação da biodiversidade, abastecimento de água para consumo humano, agricultura, indústria, energia hidrelétrica, redução das emissões de gases de efeito estufa e segurança alimentar e hídrica em escala continental ou mesmo global.

 A região  do Cerrado produz 70% da produção agrícola do Brasil. Esta agricultura é uma das principais atividades econômicas do país, correspondendo a 44% das exportações do Brasil. Isso torna o Cerrado um ecossistema fundamental para a economia do país. Mas o Cerrado é mais que isso: ele presta serviços ecossistêmicos vitais como o fornecimento de água superficial, subterrânea e atmosférica para grande parte da América do Sul.

 Sobre o ISPN

O ISPN é uma organização da sociedade civil sem fins econômicos e desde 1990 atua pelo desenvolvimento com equidade social e equilíbrio ambiental, por meio do fortalecimento de meios de vida sustentáveis e estratégias de adaptação e mitigação às mudanças do clima. A organização acredita que um dos meios para promover a conservação da natureza e enfrentar as desigualdades sociais é o apoio a povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares no desenvolvimento de atividades sustentáveis em paisagens produtivas.

Sobre o WWF-Brasil

O WWF-Brasil é uma organização não-governamental brasileira e sem fins lucrativos que trabalha para mudar a atual trajetória de degradação ambiental e promover um futuro em que sociedade e natureza vivam em harmonia. Criado em 1996, atua em todo Brasil e integra a Rede WWF.

 

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