"Em 2021, queremos dar novo impulso à parceria entre a União Europeia e África. A cultura e os intercâmbios culturais deverão passar a ser um dos seus elementos essenciais."
A cultura está tão presente nas nossas vidas que, muitas vezes, se torna invisível. Música, dança, cinema, televisão, artes plásticas, literatura, teatro ou ainda gastronomia são atividades que alimentam o nosso imaginário e, ao mesmo tempo, marcam o ritmo do nosso quotidiano.
A cultura está também no cerne da nossa identidade. Ao forjar estéticas, referências e narrativas comuns, a cultura viva e também o património cultural, material e imaterial definem a nossa pertença ao mundo e a nossa relação com ele.
A cultura é também um recurso económico importante. A indústria criativa, o design e o cinema são setores que geram emprego e rendimentos. O património arqueológico e os museus atraem o turismo, que, por sua vez, incentiva o desenvolvimento de atividades como fabrico de recordações artesanais, hotelaria, guias e acompanhantes...
O apoio a este setor é tanto mais necessário agora que estas atividades foram duramente atingidas em África e na Europa pela crise da COVID‑19.
Mas o apanágio das culturas é também misturarem‑se com outras culturas para se enriquecerem. A esse título, o contributo de África e das suas diásporas para a cultura mundial é considerável. Não haveria música pop, R&B, jazz, blues, rock, funk, disco, salsa, reggae ou ainda rap sem o património musical africano e afrodescendente. Esta observação estende‑se igualmente à proliferação das outras artes.
Para além destas constatações, perfilho também da opinião daqueles que creem que a cultura deve ser parte integrante da resposta aos desafios de política externa, quer se trate de crises sanitárias, de conflitos, quer ainda de ameaças relacionadas com as alterações climáticas.
Uma vez que toca o coração das pessoas, naquilo que têm simultaneamente de mais singular mas também de mais universal, a cultura pode efetivamente contribuir para que se encontrem soluções caso os instrumentos políticos tradicionais não consigam fazê‑lo. A cultura permite veicular valores – como o respeito pelos direitos humanos ou o Estado de direito –, suscitar reflexos de humanidade, solidariedade e entreajuda, promover comportamentos protetores face aos perigos.
A preservação do património cultural pode também contribuir para a (re)construção de uma identidade cívica e de uma nação. A União Europeia está, por exemplo, a trabalhar com a UNESCO no Mali para salvaguardar os mausoléus e manuscritos do império maliano ameaçados pelos jiadistas. No Níger e no Burquina Faso, apoiamos numerosos projetos destinados a reforçar a cidadania e a solidariedade graças a coproduções artísticas entre jovens de ambos os países, uma vez que a resposta ao terrorismo passa inevitavelmente pelo reforço da educação e pelo respeito das culturas. A União Europeia está também a lutar contra o tráfico ilícito de objetos de arte a que se dedica o terrorismo internacional, que pilha museus e sítios arqueológicos para financiar os seus atentados, privando as populações da sua memória e da sua riqueza cultural.
Outro exemplo de apoio europeu às indústrias culturais em África é o Festival Pan‑Africano de Cinema e Televisão de Uagadugu (FESPACO). Desde há cerca de 50 anos, o FESPACO tem vindo a afirmar‑se como uma das principais montras de promoção do cinema africano no mercado internacional. Através do seu programa "Ethical Fashion" (Moda Ética), a UE também forma e apetrecha mais de 10 000 artesãos a fim de, em seguida, trabalharem para grandes marcas internacionais de costura inspirando‑se nos seus modelos tradicionais. Há outros programas que abrangem um leque diversificado de ações, como apoio à produção e divulgação, organização de ações de formação, acesso ao microcrédito ou apoio ao empreendedorismo cultural.
Em menor escala, o laboratório "Youth Hub", criado pela União Africana e pela União Europeia, permitiu, nos últimos anos, que jovens de ambos os continentes se reunissem e formulassem propostas concretas para reforçar a parceria entre a Europa e África. Imbuído do mesmo espírito, foi lançado há dois anos o projeto Maisha, uma experiência inédita de co‑criação musical europeia e africana que reuniu 12 músicos de ambos os continentes. Deste encontro nasceram músicas originais que foram interpretadas num concerto público de comemoração do Dia da Europa e da fundação da União Africana realizado pela primeira vez em Adis Abeba, em 2019, e depois em formato virtual, em 2020.
Neste início de 2021 que assinala também o início de uma nova década, o meu voto é que consigamos criar com os nossos Estados‑Membros verdadeiros "centros europeus de cultura", ou seja, espaços que, tal como os institutos nacionais de cultura, abram em países parceiros a fim de divulgar tanto as culturas europeias como as dos países de acolhimento e, ao mesmo tempo, incentivar o diálogo entre ambas. Esta dinâmica está já em andamento, mas é meu desejo que seja reforçada.
Tal como gostaria que os intercâmbios de pessoas se intensificassem. Graças ao programa Erasmus+, desde 2014 efetuaram‑se mais de 26 000 intercâmbios entre a Europa e África. Queremos ir mais longe e fazer com que pelo menos 105 000 estudantes africanos beneficiem de um programa de mobilidade até 2027.
Estes exemplos mostram que a cultura pode e deve desempenhar um papel significativo na parceria entre a Europa e África que queremos redesenhar. "Arte, cultura e património, alavancas para a construção da África que desejamos", tema escolhido pela União Africana para 2021, abre, a este título, belas perspetivas.