A concorrência geopolítica e a erosão do multilateralismo têm implicações concretas para o ciberespaço e, em última análise, para as nossas vidas e os nossos direitos. As novas tecnologias são utilizadas cada vez mais de forma abusiva, desde a imposição de restrições na Web e aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, até ao roubo de dados ou aos ciberataques, que, em poucos minutos, podem fazer parar as economias dos países.
Os ciberataques contra campanhas eleitorais (como as eleições de 2017 em França) ou contra instituições democráticas (por exemplo, o ciberataque de 2015 contra o Bundestag alemão) são ataques diretos à nossa democracia. O ciberataque WannaCry de 2017 afetou mais de 200 000 computadores em 150 países, causando prejuízos estimados em 6,5 mil milhões de dólares. O roubo de dados comercialmente sensíveis das empresas possibilitados pelo ciberespaço tem aumentado constantemente nos últimos anos. Só em 2019, foram comunicados centenas de incidentes que envolviam infraestruturas críticas europeias, como o sistema financeiro e a energia.
A pandemia de COVID-19 veio ainda acelerar esta tendência: as cadeias de abastecimento de vacinas foram alvo de ciberataques no auge da pandemia, foram roubados dados da Agência Europeia de Medicamentos e até alguns hospitais foram alvo de ataques impiedosos, pondo em perigo a vida de milhares de cidadãos europeus.
Devemos reforçar a segurança das nossas infraestruturas críticas, proteger os setores tecnológicos fundamentais e reforçar a nossa soberania tecnológica para garantir que as tecnologias emergentes sejam desenvolvidas e utilizadas de acordo com os nossos valores.
A nova Estratégia da UE para a Cibersegurança, adotada esta quarta-feira, assinala um marco nos esforços mais vastos que temos vindo a desenvolver para aumentar a nossa resiliência e assumir a nossa responsabilidade internacional no ciberespaço.
A Estratégia baseia-se nas ações em curso a nível europeu: com a Diretiva Segurança das Redes e da Informação de 2016, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados de 2018 e o recém-proposto Regulamento Serviços Digitais, estamos a construir, a nível da UE, uma das legislações mais avançadas neste domínio.
No entanto, a cibersegurança na Europa depende também da segurança e estabilidade internacionais no ciberespaço. Por este motivo, a nova Estratégia também apresenta uma série de propostas concretas para uma política externa mais determinada e mais ambiciosa em matéria de cibersegurança.
Em primeiro lugar, orientaremos de forma mais ativa o debate sobre a segurança internacional no ciberespaço. No âmbito das Nações Unidas, avançaremos com a proposta de um programa de ação que oferece uma plataforma de debate sobre o comportamento responsável dos Estados no ciberespaço. Em estreita colaboração com os nossos Estados-Membros, vamos definir uma posição da UE sobre o modo como o direito internacional se aplica no ciberespaço e reforçar a nossa cooperação com medidas de reforço da confiança no ciberespaço.
Em segundo lugar, promoveremos mais diálogos em matéria de ciberespaço com países terceiros e organizações regionais e internacionais. Os nossos diálogos atuais com os EUA, o Canadá, o Japão, a República da Coreia, a Índia e o Brasil revelaram-se eficazes. Realizamos igualmente consultas periódicas com a NATO, a OSCE, o Conselho da Europa e o Fórum Regional da ASEAN e mantemos contactos regulares com a China através do Grupo de Missão UE-China para o ciberespaço ou através do Diálogo UE-China sobre as TIC. Aumentaremos estes contactos com os nossos parceiros, nomeadamente através da criação de uma rede informal de ciberdiplomacia que reunirá peritos em questões de política de cibersegurança — os «ciberadidos» — nas nossas delegações da UE e nas embaixadas dos Estados-Membros da UE em todo o mundo. Além disso, devemos alargar a nossa cooperação neste domínio com a sociedade civil, o setor privado e o meio académico.
Em terceiro lugar, vamos acelerar o reforço das nossas cibercapacidades externas. Estamos já a trabalhar com os parceiros da Vizinhança Oriental e dos Balcãs Ocidentais, nomeadamente, para aumentar a sua ciber-resiliência e as suas capacidades em matéria de investigação e repressão dos cibercrimes. A elaboração de uma agenda da UE para o reforço das capacidades externas dará maior coerência a estes esforços, dando também atenção aos países parceiros que estão a sofrer uma rápida transformação digital.
Ao mesmo tempo, a UE deve também estar preparada para agir e reagir perante a utilização abusiva das tecnologias e do ciberespaço por intervenientes estatais e não estatais, para fins maliciosos. A UE tem de reforçar a sua capacidade para prevenir, dissuadir e dar resposta a ciberameaças.
Para o efeito, tencionamos reforçar o nosso conjunto de instrumentos de ciberdiplomacia. Criado em 2017, este conjunto de instrumentos permite-nos recorrer a todas as medidas no âmbito da Política Externa e de Segurança Comum, desde declarações políticas e diligências a sanções. No passado mês de julho, adotámos as primeiras sanções contra pessoas, entidades e organismos envolvidos nos ciberataques WannaCry, NotPetya, na operação Cloud Hopper e na tentativa de ciberataque contra a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) na Haia. Esta lista foi alargada em outubro, para passar a incluir os responsáveis pelo ciberataque contra o Bundestag alemão e inclui agora oito pessoas e quatro entidades e organismos. Continuaremos a responsabilizar os autores de ciberatividades maliciosas contra a UE, onde quer que se encontrem.
Para tornar os nossos instrumentos de ciberdiplomacia mais eficazes, colaboraremos com os Estados-Membros para reforçar a cooperação em matéria de informações e definir uma posição coletiva reforçada de dissuasão das ciberameaças. Exploraremos igualmente o recurso à votação por maioria qualificada para a adoção de sanções da UE.
Por último, intensificaremos a cooperação em matéria de ciberdefesa entre os Estados-Membros e a nível da UE. A cooperação estruturada permanente e o Fundo Europeu de Defesa poderão ser utilizados para continuar a desenvolver as capacidades de ciberdefesa, por exemplo com base na inteligência artificial e na computação quântica.
Obviamente, a cibersegurança e a ciberdefesa ocuparão um lugar de destaque nas orientações estratégicas que estamos a elaborar com os Estados-Membros da UE para estabelecer um entendimento comum sobre as ameaças e os desafios que enfrentamos atualmente e para definir em conjunto uma resposta coletiva europeia.
É desta forma que a UE pretende tornar o ciberespaço mais seguro, para os europeus e para todos.