Em 19 de janeiro, aprovámos no Colégio uma nova estratégia, elaborada pelo meu colega vice‑presidente da Comissão Europeia, responsável pela Economia, Valdis Dombrowskis, em estreita cooperação com o Serviço Europeu para a Ação Externa, sobre aquilo que é frequentemente referido como "soberania económica". Esta estratégia é fundamental para a nossa política externa e de segurança comum mais ampla.
No mundo atual, cada vez mais competitivo, não são apenas os instrumentos clássicos de poder a desempenharem um papel, o próprio poder persuasivo, ou "soft power", é cada vez mais utilizado como uma arma: o comércio, a tecnologia, os dados, a informação são agora instrumentos de concorrência política. Nos últimos meses debatemos muito a autonomia estratégica da UE. Já sublinhei que precisamos de agir agora nesta matéria, especialmente nas questões económicas.
Para alcançar este objetivo, a CE tenciona reforçar o papel internacional do euro, desenvolver a infraestrutura financeira da UE, aumentar a sua resiliência à aplicação extraterritorial de sanções externas unilaterais e promover a aplicação uniforme das sanções da UE.
Avaliámos a importância desta questão, em especial com o PACG, o acordo sobre o programa nuclear do Irão: trata-se de uma das principais conquistas da diplomacia europeia, mas a sua aplicação foi posta em causa com a retirada dos Estados Unidos do acordo e as sanções unilaterais decididas pelo Governo Trump. Nos últimos anos, não conseguimos proteger as relações comerciais legítimas entre as empresas europeias e o Irão.
Na perspetiva do aumento da autonomia estratégica da UE, uma dependência excessiva do dólar é uma das nossas fraquezas. Esta dependência acarreta riscos económicos e custos adicionais para os intervenientes europeus, associados à taxa de câmbio euro/dólar, dificuldades para os intervenientes privados ou públicos em angariar fundos nos mercados financeiros europeus devido à falta de investidores interessados e riscos políticos importantes relacionados com potenciais decisões unilaterais por parte de intervenientes estrangeiros.
Por conseguinte, a UE deve promover uma maior utilização do euro em transações internacionais. Presentemente, o euro é a segunda moeda mais utilizada a nível internacional. Como mostra o gráfico seguinte, o euro ganhou rapidamente terreno como moeda de utilização internacional (ou seja, utilizada por residentes de países terceiros) nos seus primeiros anos. No entanto, desde a recessão de 2008/09, a tendência inverteu-se e o euro perdeu peso como moeda mundial.
Embora os EUA tenham sido o epicentro da crise financeira mundial de 2008/09, os títulos do Tesouro norte-americano mantiveram a sua primazia enquanto ativos seguros, ou seja, instrumentos financeiros que se prevê manterem o seu valor durante recessões económicas. A partir de 2010, a crise da dívida soberana na área do euro evidenciou fragilidades na arquitetura desta e afetou negativamente a utilização internacional da moeda. Muito foi feito para resolver os problemas subjacentes após esta crise. No entanto, temos de continuar a melhorar, nomeadamente através da conclusão da União Bancária e da realização de progressos na União dos Mercados de Capitais.
No último ano, a pandemia de COVID-19 pôs novamente em evidência algumas vulnerabilidades da União Europeia, mas também revelou os seus pontos fortes. A reação rápida e audaciosa do BCE, em termos de flexibilização da política monetária, e dos Estados-Membros do lado orçamental, bem como o novo fundo de recuperação Next Generation EU (NGEU), reforçaram a confiança na UE e no euro. Estas reações enviaram um sinal claro aos mercados e aos potenciais utilizadores internacionais da nossa moeda: os líderes da UE dispõem agora de instrumentos poderosos para proteger a estabilidade social e económica e estão prontos a utilizá-los.
Além disso, o mercado da dívida do euro tem um grande potencial. O êxito do financiamento do programa SURE pôs em evidência a elevada qualidade creditícia da União e a apetência maciça de investidores internacionais por ativos seguros denominados em euros. As obrigações da UE no quadro do fundo de recuperação NGEU aumentarão significativamente a profundidade e a liquidez dos mercados de capitais da UE e tornarão o euro ainda mais atrativo para os investidores.
Além disso, a transição ecológica oferece uma grande oportunidade a este respeito. Através, nomeadamente, do Banco Europeu de Investimento (ligação externa), a UE tem sido pioneira no mercado de obrigações verdes e quase metade das emissões mundiais destas obrigações foram denominadas em euros em 2019. Esta percentagem deverá também ser reforçada pelo fundo de recuperação NGEU: pelo menos 30 % dos investimentos deverão ser financiados por obrigações verdes. A UE está também a trabalhar numa norma da UE aplicável às obrigações verdes para consolidar ainda mais este mercado.
Outra forma de reforçar o papel do euro a nível mundial passa por promover a sua utilização em determinados mercados. Registaram-se progressos importantes, por exemplo, no mercado do gás: "No caso dos contratos de gás natural, assistimos a um aumento das ações denominadas em euros de 38 % para 64 % entre 2010 e 2018 ", assinalou a minha colega Kadri Simson, comissária responsável pela Energia. Em 2022, a Comissão irá rever o Regulamento Índices de Referência para facilitar a criação de índices denominados em euros que abranjam setores-chave da economia, incluindo mercados emergentes como o do hidrogénio. Tal deverá contribuir para impulsionar a utilização do euro nos mercados financeiros.
A Comissão tenciona organizar atividades de sensibilização com os participantes no mercado público e privado, especialmente fora da UE, a fim de promover o investimento em obrigações denominadas em euros e a utilização do euro em geral. Para o efeito, o Serviço Europeu para a Ação Externa e as delegações da UE terão um papel importante a desempenhar.
Para reforçar a sua soberania económica, a UE deve igualmente proteger de interferências estrangeiras as infraestruturas financeiras sediadas na Europa, como a rede de pagamentos SWIFT (sediada na Bélgica), que transmite instruções de transferência de fundos, ou a Euroclear (na Bélgica) e a Clearstream (sediada no Luxemburgo), câmaras de compensação que assumem o risco de contraparte entre vendedores e compradores de valores mobiliários, garantindo que as transações podem ser concluídas. As sanções decididas pelo Governo Trump na sequência do seu abandono do tratado nuclear com o Irão tiveram um impacto importante sobre estas infraestruturas.
É essencial que a UE mantenha o alcance mundial destes mecanismos, ao mesmo tempo que salvaguarda melhor a autonomia estratégica da UE. Temos de evitar que um país terceiro possa forçar os nossos sistemas financeiros a aplicar as sanções que esse país adotou unilateralmente. Para o efeito, a Comissão, juntamente com o BCE e outras autoridades europeias de supervisão, identificará instrumentos para contrariar os efeitos de tais medidas ilegais.
Por exemplo, com o INSTEX (Instrumento de Apoio às Trocas Comerciais), os nossos Estados‑Membros desenvolveram desde 2019 um instrumento europeu para facilitar os pagamentos comerciais legítimos entre a UE e o Irão. Dediquei muito do meu tempo no ano passado a trabalhar neste domínio, mas até agora a sua eficácia tem permanecido limitada. A fim de assegurar o fluxo ininterrupto de serviços financeiros essenciais entre a UE e os seus parceiros comerciais legítimos, exploraremos formas de melhorar rapidamente o INSTEX.
Desde 1996, temos também à nossa disposição o chamado Estatuto de Bloqueio para fazer face às sanções de países terceiros e outras medidas extraterritoriais contra empresas e indivíduos europeus. Tentámos também utilizá-lo no ano passado, mas temos de reconhecer que este instrumento não tem sido muito eficaz até à data. Teremos em consideração políticas adicionais para dar resposta a estas práticas, incluindo uma reforma do referido estatuto.
Dispomos agora do novo mecanismo de "análise", que avalia o impacto que o investimento direto estrangeiro na UE poderá ter na segurança e ordem pública. Quando uma empresa estrangeira pretender assumir o controlo de uma empresa da UE, será tido em conta o facto de tal poder sujeitar a empresa europeia a sanções extraterritoriais. Pode, por conseguinte, comprometer a sua capacidade de manter infraestruturas críticas da UE ou de assegurar a continuidade do fornecimento de fatores de produção essenciais.
Por último, precisamos também de reforçar a nossa cooperação internacional em matéria de sanções e extraterritorialidade, em especial com os países do G-7. O início da presidência de Joe Biden poderá ser uma oportunidade para abrir um novo capítulo sobre este dossiê e tenciono empenhar-me plenamente nesse sentido.
Economistas de renome como Larry Summers, antigo secretário do Tesouro do Governo dos EUA, ou Maurice Obstfeld, antigo economista principal do FMI, recomendaram que fosse posto termo à exploração da posição dominante (ligação externa) do dólar como instrumento de sanção, exceto nos casos em que haja um consenso multilateral muito amplo. Como muitos economistas e observadores salientaram, embora a curto prazo o primado do dólar como moeda internacional não esteja diretamente em causa, o abuso desta prática pode constituir uma ameaça importante para o papel internacional da moeda norte-americana a longo prazo.
Com vista a melhorar a autonomia estratégica da UE, as questões monetárias e financeiras tornaram-se um domínio de ação importante. Com o euro, dispomos de um instrumento poderoso para reforçar a nossa soberania económica, se conseguirmos utilizá-lo de forma sensata e eficaz. Tem de se tornar parte integrante da nossa política externa e de segurança mundial.