O povo da Bielorrússia reivindica corajosamente mudanças democráticas. A UE tem de o apoiar
"O destino da Bielorrússia deve ser decidido pelo seu povo, e só por ele."
Antes do nosso Conselho dos Negócios Estrangeiros, tivemos um pequeno‑almoço informal com Sviatlana Tsikhanouskaya, uma das principais dirigentes do Conselho de Coordenação bielorrusso pela democracia.
SviatlanaTsikhanouskaya foi a principal opositora de Aleksandr Lukashenko nas eleições presidenciais de 9 de agosto. Em certa medida, é uma heroína "acidental". Candidatou‑se em vez do marido, conhecido bloguista que foi preso em maio de 2020. Foi a única verdadeira figura da oposição autorizada a participar nas eleições, na sequência da exclusão, por motivos técnicos, do antigo vice‑ministro dos Negócios Estrangeiros, Valery Tsepkalo, e do ex‑diretor executivo do Belgazprombank, Viktor Babaryko. Lukashenko calculou mal, pensando que de uma mulher de 37 anos, uma antiga professora e uma dona de casa não viria qualquer perigo. Juntamente com a mulher de Valery Tsepkalo e a diretora de campanha de Babaryko, Maryja Kaliesnikava, o trio de mulheres conseguiu mobilizar a população bielorrussa para votar contra Lukashenko.
A 11 de agosto, após as eleições, Sviatlana Tsikhanouskaya foi obrigada a abandonar o país, tendo desde então estado exilada na Lituânia. Foi importante ouvir a avaliação que faz dos últimos acontecimentos, nomeadamente das perspetivas de um diálogo nacional inclusivo e da forma como a UE pode apoiar o diálogo e o povo da Bielorrússia na sua luta pela democracia.
É impressionante e comovente ver que centenas de milhares de bielorrussos saem à rua todos os fins de semana para protestar de forma pacífica, com coragem e dignidade
Seis semanas após as eleições, a situação continua preocupante. Mas é também fonte de inspiração. É impressionante e – posso dizer – comovente ver que centenas de milhares de bielorrussos saem à rua todos os fins de semana para protestar de forma pacífica, com coragem e dignidade. As autoridades, por seu lado, responderam com vagas cada vez maiores de detenções, atos de violência e intimidação.
Desde o início desta crise, a União Europeia foi muito clara: não reconhecemos os resultados das eleições presidenciais e consideramos ilegítima a Presidência de Aleksandr Lukashenko; rejeitamos o recurso que faz à violência e à repressão dos direitos fundamentais e democráticos; e entendemos que o único caminho a seguir passa por um diálogo político inclusivo, com novas eleições, livres e justas.
As quatro linhas de ação da UE
Infelizmente, o regime manteve a sua atitude de desafio. Por conseguinte, o debate ministerial de hoje concentrou‑se inteiramente nas linhas de ação a seguir pela UE para dar conteúdo à nossa posição política. Acordámos em prosseguir quatro orientações de base:
Em primeiro lugar, sanções. Foi elaborada uma lista de cerca de 40 nomes de pessoas e entidades que visa os responsáveis pela fraude eleitoral, pela repressão de protestos pacíficos e pela brutalidade dos atos cometidos pelas forças do Estado. Concretamente, quer isto dizer que serão congelados todos os bens que tais pessoas e entidades possuam na UE; que estas não poderão receber da parte da UE nenhum tipo de financiamento ou ajuda financeira; e que ficarão proibidas de entrar na UE.
Infelizmente, as sanções ainda não foram adotadas, pois exigem unanimidade e um dos Estados‑Membros não se mostrou disposto a aderir ao consenso. Apresentarei o resultado dos debates que tivemos no Conselho dos Negócios Estrangeiros ao próximo Conselho Europeu, onde discutiremos as relações com a Turquia. Os dirigentes europeus terão de traçar novas orientações para a forma de avançar. Entretanto continuaremos a reavaliar permanentemente a lista de 40 nomes à luz dos acontecimentos. Afirmei hoje claramente que é nosso dever adotar estas sanções. É a nossa credibilidade que está em causa.
Chegou o momento de a UE chamar as coisas pelos nomes: Aleksandr Lukashenko perdeu toda a legitimidade.
A segunda linha de ação incide na necessidade de diálogo nacional e na função a desempenhar pela Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE). Com a iminente tentativa de organizar uma pseudo‑tomada de posse (possivelmente ainda esta semana) por parte de Lukashenko, chegou o momento de a UE chamar as coisas pelos nomes: Aleksandr Lukashenko perdeu toda a legitimidade.
É evidente que o Conselho de Coordenação deve ser envolvido num futuro diálogo nacional. O Conselho de Coordenação apela claramente à realização de novas eleições, livres e justas, sob observação internacional. A melhor forma de se sair de uma crise de legitimidade política como a da Bielorrússia é organizar eleições credíveis, para que as pessoas possam escolher livremente o seu presidente e, assim, o futuro do seu país.
Durante semanas, as autoridades bielorrussas recusaram qualquer compromisso com o movimento pró‑democracia ou a mediação internacional através da OSCE, organização em que a Bielorrússia é Estado participante. Apesar desta situação lamentável, é preciso continuar a explorar todas as possibilidades. Por isso mesmo, saúdo e apoio a ativação do "Mecanismo de Moscovo", da OSCE" para levar a cabo uma missão de averiguação especializada, que dedicará a sua atenção a alegadas violações dos direitos humanos. Apoiamos também a proposta formulada pela atual e pela futura presidência em exercício da OSCE, a Albânia e a Suécia, no sentido de efetuar uma deslocação a Minsk. Estou pronto a ir a Minsk se tal puder contribuir para avançar. Até agora, Lukashenko recusou colaborar com a União Europeia, fosse a que nível fosse.
Não deve haver interferência de terceiros; o destino da Bielorrússia deve ser decidido pelo seu povo, e só por ele.
Sempre dissemos que, enquanto União Europeia, não temos nenhuma agenda oculta e que apenas queremos que os bielorrussos possam construir o seu próprio futuro, sem interferências externas. O que se passa na Bielorrússia não é uma questão geopolítica; não se trata de escolher um lado, entre a UE e a Rússia. Não deve haver interferência de terceiros; o destino da Bielorrússia deve ser decidido pelo seu povo, e só por ele. Se apoiamos a escolha democrática e os direitos fundamentais do povo bielorrusso, não é porque estejamos desejosos de influenciar o resultado das eleições ou de impelir o país num determinado sentido. Repito: esta escolha cabe ao povo bielorrusso.
Conhecemos obviamente os laços históricos, políticos e culturais que unem a Bielorrússia à Rússia. Foi por essa razão que, nos contactos regulares que mantivemos com o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergey Lavrov, sublinhámos a posição de princípio da UE de respeitar a soberania e a independência da Bielorrússia — não estamos a impor nada a ninguém. Instei a Rússia a adotar a mesma posição, a fim de evitar interferências externas. Ao mesmo tempo, a Rússia pode ajudar a convencer as autoridades bielorrussas a dialogar com os grupos pró‑democracia. Continuarei a debater estas questões com as autoridades russas ao longo dos próximos dias e semanas.
A terceira linha de ação consiste em reavaliar completamente as relações UE‑Bielorrússia. Enquanto União Europeia, temos de ser capazes de reagir de forma estratégica e decisiva aos vários cenários possíveis que se estão a desenhar em Minsk. Queremos lançar mão de todos os instrumentos e recorrer a todos os níveis de colaboração no plano bilateral, mas também no plano regional, inclusive no quadro da Parceria Oriental. Esta reavaliação será, evidentemente, efetuada em conjunto com os Estados‑Membros. Entre os elementos importantes que os ministros dos Negócios Estrangeiros assinalaram conta‑se a garantia de que procuraremos continuar a apoiar o povo bielorrusso, em particular a sociedade civil e os meios de comunicação social independentes. Talvez possamos também analisar a possibilidade de intensificar os contactos entre estudantes, facilitando os intercâmbios com a UE.
E é claro que a quarta e última linha de ação diz respeito ao apoio da UE à população bielorrussa. A Comissão Europeia está a mobilizar 53 milhões de euros de apoio imediato ao povo bielorrusso nestes tempos difíceis. Esse apoio passa pela prestação de assistência jurídica, de apoio médico e de ajuda de emergência de outro tipo aos que mais dela precisarem. Passa também pela prestação de apoio à sociedade civil e aos meios de comunicação social independentes.
Estamos a analisar, inclusive com os Estados‑Membros, de que forma poderemos intensificar o nosso apoio neste domínio crucial. Vários dos nossos Estados‑Membros desenvolvem já uma série de ações de apoio à sociedade civil e, tal como acontece noutras áreas, a abordagem "Equipa Europa", em que concentramos os nossos recursos e conhecimentos especializados, terá o maior impacto.
A UE estará ao lado do povo bielorrusso, que tão claramente insiste na necessidade de esta escolha ser uma escolha democrática.
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